quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Texto final - Cultura da droga, construção identitária e preconceito

Apresento agora meu texto final, após tres meses de pesquisas em fontes textuais e audiovisuais, como documentários por exemplo. Agora exponho aqui uma entrevista de um amigo, João da Silva, que tem por objetivo questionar se a cultura da droga estabelece realmente um consenso entre as sensações e construções feitas pelos usuários através da socialização. As declarações encontraram pontos de encontro e de conflito com o discurso por vezes pregado como verdade de que os usuários de droga são apoiadores de políticas que visam a trazer para a legalidade o consumo de maconha, ou mesmo o comércio da droga.

É possível também observar a construção identitária do sujeito que utiliza droga ante seu grupo social, e a mudança de percepção do usuário ao longo do tempo. Essas duas observações são importantes para a compreensão da cultura da droga e sua difusão com o objetivo de melhor entendimento das autoridades nas políticas voltadas ao usuário e ao traficante.

O documentário "Quebrando o Tabu" mostra que o Estado falhou na luta contra as drogas, e que a descriminalização, e após um tempo a legalização da maconha seria uma maneira sensata de conter o avanço do tráfico e da violência, que hoje não são vistos apenas nos grandes centros urbanos.

Com isso exponho aqui uma entrevista com um grande amigo que me fez revelações com muita naturalidade, confiança e respeito. Portanto espero que em minha edição eu tenha trabalhado de forma a preservar esses aspectos. Boa Leitura!

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Apresento agora meu texto final, após tres meses de pesquisas em fontes textuais e audiovisuais, como documentários por exemplo. Agora exponho aqui uma entrevista de um amigo, João da Silva, que tem por objetivo questionar se a cultura da droga estabelece realmente um consenso entre as sensações e construções feitas pelos usuários através da socialização. As declarações encontraram pontos de encontro e de conflito com o discurso por vezes pregado como verdade de que os usuários de droga são apoiadores de políticas que visam a trazer para a legalidade o consumo de maconha, ou mesmo o comércio da droga.

O documentário "Quebrando o Tabu" mostra que o Estado falhou na luta contra as drogas, e que a descriminalização, e após um tempo a legalização da maconha seria uma maneira sensata de conter o avanço do tráfico e da violência, que hoje não são vistos apenas nos grandes centros urbanos.

Com isso exponho aqui uma entrevista com um grande amigo que me fez revelações com muita naturalidade, confiança e respeito. Portanto espero que em minha edição eu tenha trabalhado de forma a preservar esses aspectos. Boa Leitura!

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Esse texto se inicia com as declarações de meu entrevistado, João da Silva*, mostrando uma perspectiva que me surpreendeu, visto que imaginava exposições de ideias bem contrárias do que obtive. Minhas expectativas, baseadas em construções midiáticas, como estatísticas, e também construções ideológicas baseadas em senso comum me lavaram a um engano pré entrevista.

Numa conversa de msn pedi autorização ao meu amigo, João da Silva, para colher declarações acerca de suas experiências com drogas, que aceitou sob uma condição: não expor seu nome no trabalho. Como demonstração de amizade e respeito os nomes utilizados neste texto foram alterados para preservar a identidade de meu entrevistado.

Logo que chego em sua casa sua mulher, Sonia*, está no portão conversando com uma senhora da vizinhança. Após a conversa, ela coloca o carro na garagem e eu a ajudo a levar as despesas pra dentro da casa.

Após cerca de dez minutos meu entrevistado chega, tinha ido comprar óleo lubrificante para seu carro, portanto percebo que não seria uma entrevista convencional, baseada em perguntas e respostas fechadas, se tratava de uma conversa entre amigos, porém com um objetivo, sendo atingido entre uma interrupção e outra para ajuste do automóvel.

“Comecei a fumar maconha aos treze anos de idade por influência de amigos. Meu pai tinha saído de casa deixando minha família endividada e eu comecei a trabalhar, a maconha era uma forma de me trazer uma sensação agradável de forma barata. Se o cara não quer gostar então nem experimenta, porque é muito bom.” Apesar de citar o abandono da família por parte do pai, João não estabelece uma relação entre a saída do pai de casa e sua iniciação com a maconha. “Passei por muita coisa triste na infância, mas isso não tem ligação com o uso da maconha”.

“Eu queria ser o cara, naquela época era diferente, os amigos influenciavam a gente, mas porque faziam escondidos, a gente nunca tinha certeza e isso incitava a curiosidade. Hoje é tudo aberto, qualquer lugar você vê. E naquela época a gente usava pra pegar as meninas, elas achavam o máximo.” Nesta, evidencio a crítica do entrevistado sobre o conflito de gerações, João tem pouco mais de quarenta anos de idade e julga que sua experiência foi em um contexto diferente do contexto atual, bem como a maconha “daquela época era bem diferente da atual”. João explica a diferença do que fumava no início para o que fuma atualmente:
“Naquela época a maconha era bem mais forte, hoje em dia eu fumo mato, tinha uma que o pessoal chamava de cabeça de nego, essa aí era mais forte que a hidropônica. Hoje em dia prefiro a hidropônica, o ruim é o preço, um baseado por cinco reais, enquanto a normal você compra três ou quatro baseados pelo mesmo preço.
Tem uma história engraçada, por volta de 1985 tinha um cargueiro trazendo carregamento de maconha dentro de latas e iria aportar no litoral do Paraná, mas aí eles avistaram a Guarda Costeira que tava vindo pra cima deles. Não tiveram dúvidas: abriram as comportas e soltaram as latas no mar. Olha, até em praias do Rio Grande do Sul apareciam essas latas! Fui muitas vezes pra achar, mas a polícia tava em cima e eu acabei comprando, foi umas das melhores qualidades de maconha dessa nova geração que eu já experimentei. Era a maconha da lata, como ficou conhecida.”

Perguntado sobre a relação de sua família com ele e o uso de drogas, João não hesitou em dar um longo depoimento, não só narrando os acontecimentos e curiosidades, mas realizando uma análise crítica de sua postura e de sua família ante as consequências de sua condição de usuário e o preconceito e aceitação por parte de seus familiares.

“Antes de eu fazer dezoito anos meu pai já desconfiava, sabe como é, pelo uso da maconha o cara fica meio lerdo, não presta muita atenção nas coisas. Já depois dos dezoito eu não precisava esconder nada da minha família. Isso porque eu sempre sustentei meu vício com meu trabalho, meu suor, eu que me fodia pra bancar. Nunca tirei nada de casa pra trocar por droga[...] sempre tive consciência do que eu tava fazendo.
Na época que me acidentei – João sofreu um acidente de trabalho, caindo de uma construção, que o fez perder os movimentos das pernas – todos que sabiam que eu usava droga me acusavam de estar chapado na hora do serviço, mas aquele dia eu não tinha bebido nada nem fumado, acho que foi por isso que me acidentei (risos) [...]
Isso porque a maconha desperta em você, algumas características, na época que eu trabalhava na fabricação de móveis, alguns empregados ficavam putos porque, por exemplo, eles se matavam e produziam vinte peças, eu ficava na boa, fumava meu baseado tranquilo na hora do almoço, quando eu voltava eu produzia o dobro deles, foi uma época que eu ganhei muito dinheiro [...] Então se você é um cara criativo, ela vai despertar a criatividade, ela vai ficar mais aguçada, por exemplo."

Durante esta fala, percebo que ele menciona o álcool, então pergunto se ele é ou já foi adepto de outros tripos de drogas. Um pouco hesitante João declara que até os trinta e oito anos também cheirava cocaína, mas que já vinha querendo parar de usar, então conheceu sua esposa, Sônia, que o ajudou a parar.

“Então, cara, minha sequência foi: da maconha pro álcool, do álcool pra cocaína, porque é assim: a maconha te deixa relaxado, tranquilo, te traz uma sensação de bem-estar, já a cocaína te deixa agitado e traz instintos não bons, você pensa em roubar por exemplo[...]. Acontece que você tem seu estado normal, então usa a cocaína pra ficar agitado e usa a maconha pra ficar tranquilo, você acaba ficando no estado normal, entende? Eu tive essa consciência na época. Eu via tanta gente, amigos meus crescendo na vida, trabalhando, formando família. E os que estavam pior que eu estavam morrendo, acho que foram essas coisas que não me deixaram afundar de vez, sabe?
Então a maconha meio que me tirou da cocaína, porque eu sempre estava cheirando ou bebendo, então quando conheci a Sonia joguei bem limpo com ela, falei tudo que acontecia comigo, dos meus vícios e ela me ajudou também [...]
Uma vez eu fui comprar droga no morro e a polícia apareceu, os traficantes não recuaram e começou o tiroteio, eu dentro do carro no meio do fogo cruzado e o policial encostando a arma na minha cabeça mandando eu descer[...] deu um desespero, sorte que consegui manobrar o carro e saí correndo de lá.
Outra coisa que me fez tomar consciência do que eu tava fazendo foi que eu peguei uma puta, porque a Sônia sabe que eu sempre gostei de puta, tu come, paga e não precisa ficar ligando no dia seguinte, nem levar pra casa, é bem profissional mesmo [...] Então, ela tava no carro e resolveu fumar crack. Ela abriu uma frestinha do vidro e eu abri meu vidro inteiro, então ela acendeu o cachimbo... só o cheiro já liberou adrenalina em mim. Eu tentava tocar nela ela se afastava com os olhos arregalados e puxava todo o ar da fresta do vidro. Ah vendo aquilo eu abri a porta e mandei ela embora [...]
Então eu acho que por ter visto essas coisas eu fui vendo o que tava acontecendo comigo, e acho que foi por isso que não me afundei no crack também, porque eu tenho certeza que eu iria procurar coisas mais pesadas.
Se é que eu posso chamar de ponto positivo, na época que eu vivia em Porto Alegre ninguém me roubava. Eu era bem famoso por lá, conhecia gerentes e patrões.
Teve uma vez que me roubaram dez reais, eu cheguei pra um amigo meu mais graduado e falei que aquilo não podia acontecer, que eu tava sendo lesado. Ele encontrou o cara e na minha frente fez o cara se ajoelhar, encostou a arma na cabeça dele e me perguntou se eu queria ele vivo ou morto. Já meio assustado falei: 'Não, cara só quero meus dez reais' – e ele deu uma coronhada na cabeça do cara, xingou ele e deu outra na cara, chegou a arrancar um dente. E eu la falando pra ele ter calma que eu só queria meus dez reais. Ele soltou o cara que saiu correndo e voltou com meus dez reais.”

A partir disso João deu um encaminhamento para o fechamento da entrevista contando um pouco de sua trajetória como vendedor de maconha, como faz o uso da droga atualmente e o que pensa sobre as políticas anti-drogas e a legalização da maconha.

“Olha, Icaro, já trafiquei sim, mas em pequenas quantidades. Eu era patrão, o segundo na linha de recepção, repassava pra um gerente que vendia num lugar. Mas isso tudo não passava de dois quilos de maconha, era bem pouca coisa.
Eu fiz por necessidade, foi logo depois do meu acidente. Eu precisava de dinheiro, e não tinha como, então acabei entrando no ramo da venda de maconha também. E olha, foi um negócio bastante rentável,passei dois anos vendendo. Mas sabe o que acontece? Todo dinheiro que entra, sai com a mesma rapidez. Eu pagava rodada no buteco pros amigos, vivia gastando com mulher e gastava com mais droga também. Além disso meus amigos só vinham em casa porque queriam comprar e usar maconha.
Teve uma vez que eu cheguei em casa com dois quilos de maconha e guardei no armário, minha mãe entrou no quarto e já berrou: 'Mas já ta fumando de novo?!',e nem era meu aquilo, não tinha usado, mas aquilo lá fechado já exalava muito cheiro.
Mas o que fez eu parar de vender foi uma vez que a polícia me pegou, a sorte é que eu tava sem nada e eles não podiam me prender. Lembro que cheguei em casa e tirei tudo do meu armário, parei de vender e consumir droga por três meses, eu saía de casa e via carro estacionado, eles estavam em cima de mim, me monitorando mesmo, foi aí que parei de vender.
Também tem o preconceito da família, teve uma vez que eu levei uma picada de mosquito bem em cima de uma veia, minha mãe viu, agarrou meu braço e me acusou de injetar cocaína. Até sarar aquilo lá ela ficou bem desconfiada, mas eu nunca injetei, já vi e achei horrível, então não entrei nessa.
Então vendo essas coisas eu comecei a regredir no uso. Cheguei no meu limite e estou regredindo.
Hoje não me considero um viciado, uso a maconha para ficar sem a dor nas costas por causa do acidente, pra me acalmar mesmo, e esquecer da dor. E agora que eu descobri que ajuda no combate à pressão alta é por isso também (risos). Mas estou reduzindo, antes eu fumava cinquenta gramas por semana, hoje tem dia que eu nem fumo.
Também não aconselho ninguém a usar, é uma grana que você perde, que poderia estar fazendo outras coisas; indo ao teatro. Hoje eu penso assim, mas antigamente se me falassem de teatro ... (gargalhadas).
Também sou contra a legalização, o Brasil não está preparado pra isso. Se liberar vira algazarra. Eu não quero ter um drogado fumando maconha na frente do meu portão e não poder falar nada porque ele ta na legalidade, tem muita criança por aí que seria incentivada. Daí me dizem que cigarro e álcool também são liberados. Por mim, não seria, se eu pudesse, álcool e cigarro também seriam ilegais."


Depois das formalidades da entrevista sua mulher, Sonia, aparece na sala comentando histórias de quando ela foi para Amsterdã, que apesar de liberado o consumo não se via pessoas fumando nas ruas, e que ela se mostra a favor da legalização justamente para barrar um pouco do preconceito contra usuários. Nessa hora João intervém e afirma que o usuário perde muita credibilidade, visto que as pessoas não confiam nas capacidades da pessoa que utiliza droga.

Sônia também afirma que João disse em confissão ao padre da região que era usuário de maconha, e que o padre aceitou de forma mais respeitosa visto a condição de cadeirante de João e as dores físicas causadas por isso, mas João intervém novamente dizendo que depois da confissão o casal parou de ser convidado para as festas religiosas.

Com isso termino meu trabalho dizendo que atualmente as políticas anti-drogas estão mais voltadas ao preconceito contra o usuário, do que focando na prevenção e tratamento dos mesmos. Esse tipo de política deve ser alterado tendo em vista as cada vez mais comuns manifestações em apoio à descriminalização e legalização da maconha.

Se o Brasil tem pretenção de ampliar sua democracia e partir para descriminalização e legalização do uso da maconha devem ser tomadas medidas preventivas e não de preconceito acerca do tema. É necessário ampliar o sistema jurídico, político e de saúde antes de legalizar. O jurídico para não tratar usuário como criminoso, o político para regulamentar e normatizar as práticas de venda e uso da maconha, e o sistema de saúde para oferecer tratamento adequado aos que necessitam de apoio médico.





*Os nomes utilizados foram alterados para preservar a identidade do entrevisdo e demais participantes

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