O propagado “jeitinho brasileiro” é visto como característica positiva do nosso povo, mas não deveria ser.
De fato, o sentido é positivo quando entendido de forma a ressaltar a flexibilidade, de escolher alternativas mais criativas para superar um obstáculo, mas quando o “elogio” generaliza-se vai de encontro, por inúmeras vezes, aos princípios que fundamentam uma sociedade democrática.
As regras são feitas para regular a vida em sociedade, tornando possível o exercício de direitos e deveres, a fim de que todos tenham tratamento equânime e possam atingir seus objetivos, coibindo atos que desestruturem a vida em sociedade.
O “jeitinho brasileiro” disseminou-se de tal forma que exterioriza o individualismo, a confusão entre o público e o privado, a falta de ética e o desrespeito às regras imprescindíveis ao exercício de uma cidadania plena. Ao contornar, “com esperteza”, os trâmites que o impedem de atingir seu objetivo imediatamente, o brasileiro espalha na sociedade a falsa idéia de que esta flexibilidade é uma alternativa perfeitamente aceitável para “pular etapas” de um sistema lento e extremamente burocrático.
O indivíduo e a sociedade perdem muito com esta atitude. De um lado, reproduzimos o preconceito de que nossas instituições são morosas, ineficientes e privilegiam somente “os espertos”; de outro, criamos o estigma de que o indivíduo, e em extensão, a sociedade brasileira é uma “torre de Babel”, em que não há respeito a direitos, nem a um processo transparente e comprometido com valores que enobrecem um povo.
Daí inúmeros males sociais ganham força e espaço: o nepotismo, a corrupção, o fisiologismo, a degradação de serviços públicos, a compra de serviços públicos essenciais (saúde, segurança,...), a falta de mérito e competência verificados em vários setores da sociedade e a presença de “autoridades” incapazes de cumprir com hombridade seu papel; isto porque há outro sistema de seleção, não o fundamentado na meritocracia, mas sim em um subproduto do “jeitinho brasileiro”: o “Q.I” (quem indica).
A nossa história tem muito peso para a formação de nossa cultura e também incute muitos preconceitos. Roberto Schwarz expôs um desses aparentes “pilares”, ou o que ele descreveu como “o nexo efetivo da vida ideológica” brasileira, ao tratar do “favor”. Este elemento danoso, que teve na figura do agregado sua caricatura, “Esteve presente por toda parte, combinando-se às mais variadas atividades, mais e menos afins dele, como administração, política, indústria, comércio, vida urbana, Corte, etc. Mesmo profissões liberais, como a medicina, ou qualificações operárias, como a tipografia, que, na acepção européia, não deviam nada a ninguém, entre nós eram governadas por ele. E assim como o profissional dependia do favor para o exercício de sua profissão, o pequeno proprietário depende dele para a segurança de sua propriedade, e o funcionário para o seu posto.” (p. 16, Roberto Schwarz, Ao vencedor as batatas, Editora 34, 2000)
Precisamos ser autênticos, mas não a este custo. Precisamos valorizar nossa história e cultura, contrapondo a cada estigma negativo que nos é atribuído, uma qualidade positiva. Somente com retidão, transparência e educação, nós, brasileiros obstinados “que não desistimos nunca”, poderemos edificar nossa sociedade em bases sólidas. Que o jeitinho brasileiro só esteja presente na garra e criatividade para construção desses valores.